Indústria Cultural
Muitos autores estiveram preocupados em definir a indústria
cultural ou a cultura de massa e em compreender o seu papel na sociedade atual.
A multiplicidade de conclusões obtidas nos faz expor de maneira breve algumas
visões sobre a questão.
A escola de Frankfurt
Adorno e Horkheimer
O termo Indústria Cultural foi criado por Theodor
Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), membros de um grupo de filósofos
conhecido como Escola de Frankfurt.
Theodor Adorno, filósofo e sociólogo alemão, projetou-se
como um dos críticos mais ácidos dos modernos meios de comunicação de massa
(MDCM). Ao exilar-se nos Estados Unidos, entre 1938 e 1946, percebeu que a mídia
não se voltava apenas para suprir as horas de lazer ou dar informações aos seus
ouvintes ou espectadores, mas fazia parte do que ele chamou de indústria
cultural. Um imenso maquinismo composto por milhares de aparelhos de
transmissão e difusão que visava produzir e reproduzir um clima conformista e
dócil na multidão passiva.
Ao aprofundar-se nas pesquisas sobre a mídia
norte-americana, Adorno, entendeu que por detrás daquele aparente caos, em que
rádios, filmes, revistas e jornais, atuavam de maneira livre e independente,
havia uma espécie de monopólio ideológico cujo objetivo era a domesticação das
massas. Quando o cidadão saía do seu serviço e chegava em casa , a mídia não o
deixava em paz, bombardeando-o, a ele e à família, com programas de baixo
nível, intercalados com anúncios carregados de clichês conformistas,
comprometendo-o com a produção e o consumo.
Não se tratava, de que aqueles sem fim de novelas e shows de
auditórios refletissem a vontade das massas, algo autêntico e espontâneo, vindo
do meio do povo. Um anseio que os profissionais da mídia apenas procuravam dar
corpo, transformando-os diversão e entretenimento. Ao contrário, demonstrava,
isso sim, a existência de uma poderosa e influente indústria cultural que, de
forma planejada, impingia aos seus consumidores doses cavalares de lugares
comuns e banalidades, cujo objetivo era ajudar a reproduzir “o modelo do
gigantesco mecanismo econômico” que pressionava sem parar a sociedade como um todo.
Certa vez, disse Adorno: Lá, na
América, não havia espaço neutro. Não ocorria uma cisão entre a produção e o
lazer. Tudo era a mesma coisa, tudo girava em função do grande sistema. Dessa
forma, qualquer coisa que causasse reflexão, uma inquietação mais profunda, era
imediatamente expelida pela indústria cultural como indigesta ou impertinente.
Tanto para Adorno como para Horkheimer a indústria cultural
pretenderia integrar os consumidores das mercadorias culturais, agindo como uma
ponte nociva entre a cultura erudita e a popular. Nociva porque retiraria a
seriedade da primeira e a autenticidade da segunda. Os dois pensadores, vêem a
indústria cultural como qualquer indústria, organizada em função de uma
lucratividade.
Assim, a indústria cultural venderia mercadorias culturais
como detergente ou provedor de Internet, e o público receberia esses sem saber
diferenciá-los ou sem questionar seu conteúdo. Desta forma, após uma sinfonia
de Beethoven, uma estação de rádio poderia veicular o anúncio de um restaurante
e, depois dele, noticiar um golpe de Estado ou um terremoto, sem nenhuma
profundidade, sem nenhuma discussão. Nesse sentido, é preciso observar como
essa sucessão de música, propaganda e notícia ilustra o caráter fragmentário
dos MDCM provocando um show de amnésia.
Para Adorno e Horkheimer, as produções em série (por
exemplo, os discos de música clássica, as reproduções de pinturas, a música
erudita como pano de fundo de filmes de cinema) não democratizaram a arte.
Simplesmente, banalizou-a, descaracterizou-a, fazendo com que o público
perdesse o senso crítico e se tornasse um consumidor passivo de todas as
mercadorias anunciadas pelos MDCM. Nesse caso, o fato de uma pessoa na rua
assobiar, um trecho da 5ª sinfonia de Beethoven não significaria que ele
estaria compreendendo a profundidade daquela obra, mas apenas que ele a
memorizou, como faria com qualquer canção sertaneja, romântica, ou mesmo um jingle
que ouvisse no mesmo rádio.
A indústria cultural tem como único objetivo a dependência e
a alienação dos homens, segundo Adorno. Ao maquiar o mundo nos anúncios que
veicula, ela acaba seduzindo as massas para o consumo das mercadorias
culturais, a fim de que elas se esqueçam da exploração que sofrem nas relações
de produção. A indústria cultural estimularia, portanto, o imobilismo.
Marsall McLuhan
Ao contrário de Adorno e Horkheirner, Marshall McLuhan
(1911-1980) via a atuação dos MDCM de maneira otimista. Estudando
principalmente a televisão, o autor acreditava que ela poderia aproximar os
homens, diminuindo as distâncias não apenas territoriais como sociais entre
eles.
Mcluhan teve muita popularidade na década de 60, foi capa de
várias revistas, participou de talk-shows na TV, foi entrevistado pela Playboy
e chegou até a aparecer em um filme de Woody Allen. Seus estudos sobre os meios
de comunicação eram no mínimo intrigantes pois ele não se preocupava com o
conteúdo das mensagens. Para ele, o meio, ou o veículo, que transmite a
mensagem é mais importante que o conteúdo. “O meio é a mensagem”, dizia.
Suas idéias transgrediram o mero estudo dos meios de
comunicação e algumas de suas previsões tornaram-se reais. Ainda na década de
60, enquanto a TV era uma criança e o PC ficção científica, ele afirmava que
logo a humanidade iria se unir em uma “aldeia global”, onde a distância e o
tempo seriam suprimidos.
Umberto Eco
O crítico Umberto Eco, por sua vez, faz uma distinção
polêmica entre os autores dedicados ao estudo da indústria cultural. Segundo
ele, esses autores dividem-se entre “apocalípticos” (aqueles que criticam os
meios de comunicação de massa) e “integrados’ (aqueles que os elogiam).
Entre os motivos para
criticar os MDCM, segundo os “apocalípticos”, estariam:
• a veiculação que eles
realizam de uma cultura homogênea (que desconsidera diferenças culturais e
padroniza o público);
• o seu desestimulo à
sensibilidade;
• o estímulo publicitário
(criando, junto ao público, novas necessidades de consumo);
• a sua definição como
simples lazer e entretenimento, desestimulando o público a pensar, tornando-o
passivo e conformista.
Nesse sentido, os MDCM
seriam usados para fins de controle e manutenção da sociedade capitalista.
Entre os motivos para
elogiar os MDCM, apontados pelos “integrados”, estariam:
• serem os MDCM a única
fonte de informação possível a uma parcela da população que sempre esteve
distante das informações;
• as informações
veiculadas por eles poderem contribuir para a própria formação intelectual do
público;
• a padronização de gosto
gerada por eles funcionar como um elemento unificador das sensibilidades dos
diferentes grupos.
Nesse sentido, os MDCM não
seriam característicos apenas da sociedade capitalista, mas de toda sociedade
democrática.
Eco irá criticar as duas concepções. Os “apocalípticos”
estariam equivocados por considerarem a cultura de massa ruim simplesmente por
seu caráter industrial. Para Eco, não se pode ignorar que a sociedade atual é industrial
e que as questões culturais têm que ser pensadas a partir dessa constatação. Os
“integrados”, por sua vez, estariam errados por esquecerem que normalmente a
cultura de massa é produzida por grupos de poder econômico com fins lucrativos,
o que significa a tentativa de manutenção dos interesses desses grupos através
dos próprios MDCM. Além disso, não é pelo fato de veicular produtos culturais
que a cultura de massa deve ser considerada naturalmente boa, como querem os
“integrados”.
Eco acredita que não se pode pensar a sociedade moderna sem
os MDCM. Nesse sentido, sua preocupação é descobrir que tipo de ação cultural
deve ser estimulado para que os MDCM realmente veiculem valores culturais.
Nesse sentido, o papel dos intelectuais será fundamental, pois eles é que irão
fiscalizar e exigir que isso aconteça.
Walter Benjamim
Outro autor também ligado à Escola de Frankfurt, mas com uma
concepção diferente do papel da indústria cultural, é Walter Benjamin
(1886-1940). Para ele, a revolução tecnológica do final do século XIX e início
do século XX não acabou com a cultura erudita, como pensavam Adorno e Horkheimer,
mas alterou o papel da arte e da cultura. Os MDCM e suas novas formas de
produção cultural propiciaram mudanças na percepção e na assimilação do público
consumidor, podendo, inclusive, gerar novas formas de mobilização e contestação
por parte desse público.
Para Benjamin, a possibilidade de reprodução técnica das
obras de arte retirou delas o seu caráter único e mágico (o que ele chama de
sua “aura”). Em compensação, possibilitou que elas saíssem dos palácios e
museus e fossem conhecidas por um número infinito de pessoas. Por exemplo, a
reprodução fotográfica permitiu que qualquer pessoa pudesse ter em sua sala as
clássicas Monalisa e Santa ceia, de Leonardo da Vinci; a
reprodução fonográfica fez com que muito mais pessoas pudessem escutar (e
quantas vezes quisessem) uma sinfonia de Mozart.
O impacto que a indústria cultural moderna pode provocar no
público consumidor não seria, portanto, necessariamente negativo, podendo, ao
contrário, contribuir para a emancipação desse público e para a melhoria da sociedade,
uma vez que ampliaria o seu horizonte de conhecimento.
Essas são diferentes abordagens sobre a indústria
cultural, expostas de maneira simplificada, poderão servir como elementos para uma
melhor reflexão a respeito da questão cultural
no Brasil!
O mundo perfeito da Propaganda
Não se pode negar a importância da propaganda na indústria
cultural e, evidentemente, na sociedade de consumo em que a sociedade atual se
transformou.
Costuma-se dizer que, na televisão, a programação é ruim e
os anúncios são bons. O que isso significaria? O mundo vendido pelos anúncios é
um mundo de sonhos, sem conflitos, em que o melhor xampu ou desodorante abre as
portas para o sucesso — sempre individual.
Se fizermos uma rápida análise do universo das propagandas,
poderemos captar alguns elementos que sempre se repetem e acabam gerando a
construção de uma série de modelos de comportamento social.
As margarinas e outros comestíveis vêm, de maneira
geral, anunciados por famílias sorridentes, brancas, de classe média ou alta,
reunidas numa mesa e servidas por uma mãe feliz e protetora. Produtos de
limpeza. Sempre ou quase sempre anunciados por donas de casa preocupadas
com a saúde da família, a limpeza da casa, e a beleza de suas próprias mãos. As
empregadas são em geral negras e muitas vezes ignorantes porque, afinal, o
melhor lugar para os negros em nossa sociedade (que não é racista!...) continua
sendo a cozinha e as funções subalternas. As propagandas de bebida e cigarro
sempre associam juventude, beleza, aventura e riqueza: apresentam uma imagem de
vencedores, que se podem dar ao luxo dos prazeres. Investimentos financeiros
e bancários são sempre protagonizados por homens: elegantes pais de família de
classe média ou alta, expressando auto-confiança.
Temos, aqui, uma série de elementos interessantes. Os
programas são ruins e os anúncios bons porque veiculam uma vida ideal — prazer,
dinheiro, saúde, felicidade familiar — a um público que, em sua grande maioria,
não pode conquistá-la. Por outro lado, as mensagens que estão contidas nesses
anúncios também parecem ter o efeito de conformar a população a se satisfazer
com imagens. Quem pode comprar e penetrar no mundo feliz do consumo é a classe
média ou alta; então, o restante da população deve se contentar em ver e imaginar.
A situação se agrava quando o mundo ficcional dos programas
e das propagandas se mistura. Ao anunciar determinados produtos, o galã da
novela e a apresentadora do programa infantil associam o consumo do produto ao
sucesso da personagem, à sua beleza, ao seu poder. Ficção e realidade se
misturam na imaginação de seu público consumidor.
Existe uma forma “pessimista” de compreender o processo de
recepção dessas informações por parte do público: a televisão, vendendo
imagens, idéias, valores e produtos, na maioria inacessíveis, atuaria como um
novo “ópio do povo”, isto é, como uma nova droga a aliená-lo da realidade, a
conformá-lo a ser um consumidor passivo das verdades e mentiras (que ele já não
sabe distinguir) recebidas através de um simples eletrodoméstico, um aparelho
de TV.
Um exemplo dramático no sentido de reforçar o poder de
alienação dos MDCM foi a utilização
do rádio por Adolf Hitler na ascensão do nazismo. Hitler, junto com seu
ministro das Comunicações, Goebbels, percebeu o efeito emocional que os seus
discursos causavam e, através deles, foi obtendo a aprovação da maioria da
população alemã para suas idéias.
Há, porém, outra visão que aposta na capacidade crítica
desse público. Ao ver a propaganda de um iogurte que não pode comprar, ao
assistir a uma novela cujas situações sabe que jamais vivenciará, ao ouvir o
discurso ufanista de um político, em contradição com a realidade de miséria do
país, o público estaria próximo de questionar toda a ordem social que se constrói
e se mantém sobre esse tipo de contradição. A televisão, nesse caso, em vez de
alienar, contribuiria (mesmo que contra a própria vontade de seus
controladores) para despertar e, no limite, para transformar a realidade. Por
mais espantoso que seja, ainda encontramos na indústria cultural, em menor
número, é óbvio, alguns programas com
essa capacidade. Na TV Cultura: Provocações, Observatório da Imprensa; e para citar apenas mais um, no canal Sony
temos Michael Moore apresentando The Awful Truth.
Essa ambigüidade que os MDCM podem gerar não desfaz, porém,
uma questão fundamental que se refere à decisão sobre quem concebe, produz e
veicula os produtos culturais a serem consumidos pela população.
No Brasil, vive-se uma situação de monopólio na área de comunicações,
e os critérios costumeiramente adotados pelo governo na concessão de emissoras
de televisão e rádio em geral não são técnicos, mas políticos.
http://www.cpflcultura.com.br/2010/10/14/rock-and-roll-%E2%80%93-a-invencao-da-adolescencia-entre-a-industria-e-a-angustia-cultural-chuck-berry-e-elvis-presley-%E2%80%93-marcia-tiburi-e-fernando-chui-2/
O Rock and Roll é uma criação histórico-social do século XX. Com suas raízes no blues elétrico, o rock não teria surgido fora da cultura da técnica e da Indústria Cultural. O rock nasce como música tecnológica, mas também como elogio da juventude do pós-guerra, como angústia de renovação, para logo se tornar uma crítica a qualquer forma de conservadorismo.
Assista a palestra Rock and Roll – A invenção da adolescência entre a indústria e a
angústia cultural: Chuck Berry e Elvis Presley – Márcia Tiburi e
Fernando Chuí no Link:
http://www.cpflcultura.com.br/2010/10/14/rock-and-roll-%E2%80%93-a-invencao-da-adolescencia-entre-a-industria-e-a-angustia-cultural-chuck-berry-e-elvis-presley-%E2%80%93-marcia-tiburi-e-fernando-chui-2/
O Rock and Roll é uma criação histórico-social do século XX. Com suas raízes no blues elétrico, o rock não teria surgido fora da cultura da técnica e da Indústria Cultural. O rock nasce como música tecnológica, mas também como elogio da juventude do pós-guerra, como angústia de renovação, para logo se tornar uma crítica a qualquer forma de conservadorismo.
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