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quarta-feira, 4 de julho de 2012

A transformação da Cultura em Mercadoria


Indústria Cultural

Muitos autores estiveram preocupados em definir a indústria cultural ou a cultura de massa e em compreender o seu papel na sociedade atual. A multiplicidade de conclusões obtidas nos faz expor de maneira breve algumas visões sobre a questão.

A escola de Frankfurt
Adorno e Horkheimer

O termo Indústria Cultural foi criado por Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), membros de um grupo de filósofos conhecido como Escola de Frankfurt.

Theodor Adorno, filósofo e sociólogo alemão, projetou-se como um dos críticos mais ácidos dos modernos meios de comunicação de massa (MDCM). Ao exilar-se nos Estados Unidos, entre 1938 e 1946, percebeu que a mídia não se voltava apenas para suprir as horas de lazer ou dar informações aos seus ouvintes ou espectadores, mas fazia parte do que ele chamou de indústria cultural. Um imenso maquinismo composto por milhares de aparelhos de transmissão e difusão que visava produzir e reproduzir um clima conformista e dócil na multidão passiva.

Ao aprofundar-se nas pesquisas sobre a mídia norte-americana, Adorno, entendeu que por detrás daquele aparente caos, em que rádios, filmes, revistas e jornais, atuavam de maneira livre e independente, havia uma espécie de monopólio ideológico cujo objetivo era a domesticação das massas. Quando o cidadão saía do seu serviço e chegava em casa , a mídia não o deixava em paz, bombardeando-o, a ele e à família, com programas de baixo nível, intercalados com anúncios carregados de clichês conformistas, comprometendo-o com a produção e o consumo.

Não se tratava, de que aqueles sem fim de novelas e shows de auditórios refletissem a vontade das massas, algo autêntico e espontâneo, vindo do meio do povo. Um anseio que os profissionais da mídia apenas procuravam dar corpo, transformando-os diversão e entretenimento. Ao contrário, demonstrava, isso sim, a existência de uma poderosa e influente indústria cultural que, de forma planejada, impingia aos seus consumidores doses cavalares de lugares comuns e banalidades, cujo objetivo era ajudar a reproduzir “o modelo do gigantesco mecanismo econômico” que pressionava sem parar a sociedade como um todo.

Certa vez, disse Adorno: Lá, na América, não havia espaço neutro. Não ocorria uma cisão entre a produção e o lazer. Tudo era a mesma coisa, tudo girava em função do grande sistema. Dessa forma, qualquer coisa que causasse reflexão, uma inquietação mais profunda, era imediatamente expelida pela indústria cultural como indigesta ou impertinente.

Tanto para Adorno como para Horkheimer a indústria cultural pretenderia integrar os consumidores das mercadorias culturais, agindo como uma ponte nociva entre a cultura erudita e a popular. Nociva porque retiraria a seriedade da primeira e a autenticidade da segunda. Os dois pensadores, vêem a indústria cultural como qualquer indústria, organizada em função de uma lucratividade.

Assim, a indústria cultural venderia mercadorias culturais como detergente ou provedor de Internet, e o público receberia esses sem saber diferenciá-los ou sem questionar seu conteúdo. Desta forma, após uma sinfonia de Beethoven, uma estação de rádio poderia veicular o anúncio de um restaurante e, depois dele, noticiar um golpe de Estado ou um terremoto, sem nenhuma profundidade, sem nenhuma discussão. Nesse sentido, é preciso observar como essa sucessão de música, propaganda e notícia ilustra o caráter fragmentário dos MDCM provocando um show de amnésia.

Para Adorno e Horkheimer, as produções em série (por exemplo, os discos de música clássica, as reproduções de pinturas, a música erudita como pano de fundo de filmes de cinema) não democratizaram a arte. Simplesmente, banalizou-a, descaracterizou-a, fazendo com que o público perdesse o senso crítico e se tornasse um consumidor passivo de todas as mercadorias anunciadas pelos MDCM. Nesse caso, o fato de uma pessoa na rua assobiar, um trecho da 5ª sinfonia de Beethoven não significaria que ele estaria compreendendo a profundidade daquela obra, mas apenas que ele a memorizou, como faria com qualquer canção sertaneja, romântica, ou mesmo um jingle que ouvisse no mesmo rádio.

A indústria cultural tem como único objetivo a dependência e a alienação dos homens, segundo Adorno. Ao maquiar o mundo nos anúncios que veicula, ela acaba seduzindo as massas para o consumo das mercadorias culturais, a fim de que elas se esqueçam da exploração que sofrem nas relações de produção. A indústria cultural estimularia, portanto, o imobilismo.


Marsall McLuhan

Ao contrário de Adorno e Horkheirner, Marshall McLuhan (1911-1980) via a atuação dos MDCM de maneira otimista. Estudando principalmente a televisão, o autor acreditava que ela poderia aproximar os homens, diminuindo as distâncias não apenas territoriais como sociais entre eles.

Mcluhan teve muita popularidade na década de 60, foi capa de várias revistas, participou de talk-shows na TV, foi entrevistado pela Playboy e chegou até a aparecer em um filme de Woody Allen. Seus estudos sobre os meios de comunicação eram no mínimo intrigantes pois ele não se preocupava com o conteúdo das mensagens. Para ele, o meio, ou o veículo, que transmite a mensagem é mais importante que o conteúdo. “O meio é a mensagem”, dizia.

Suas idéias transgrediram o mero estudo dos meios de comunicação e algumas de suas previsões tornaram-se reais. Ainda na década de 60, enquanto a TV era uma criança e o PC ficção científica, ele afirmava que logo a humanidade iria se unir em uma “aldeia global”, onde a distância e o tempo seriam suprimidos.

Umberto Eco

O crítico Umberto Eco, por sua vez, faz uma distinção polêmica entre os autores dedicados ao estudo da indústria cultural. Segundo ele, esses autores dividem-se entre “apocalípticos” (aqueles que criticam os meios de comunicação de massa) e “integrados’ (aqueles que os elogiam).

Entre os motivos para criticar os MDCM, segundo os “apocalípticos”, estariam:

• a veiculação que eles realizam de uma cultura homogênea (que desconsidera diferenças culturais e padroniza o público);
• o seu desestimulo à sensibilidade;
• o estímulo publicitário (criando, junto ao público, novas necessidades de consumo);
• a sua definição como simples lazer e entretenimento, desestimulando o público a pensar, tornando-o passivo e conformista.

Nesse sentido, os MDCM seriam usados para fins de controle e manutenção da sociedade capitalista.

Entre os motivos para elogiar os MDCM, apontados pelos “integrados”, estariam:

• serem os MDCM a única fonte de informação possível a uma parcela da população que sempre esteve distante das informações;
• as informações veiculadas por eles poderem contribuir para a própria formação intelectual do público;
• a padronização de gosto gerada por eles funcionar como um elemento unificador das sensibilidades dos diferentes grupos.

Nesse sentido, os MDCM não seriam característicos apenas da sociedade capitalista, mas de toda sociedade democrática.


Eco irá criticar as duas concepções. Os “apocalípticos” estariam equivocados por considerarem a cultura de massa ruim simplesmente por seu caráter industrial. Para Eco, não se pode ignorar que a sociedade atual é industrial e que as questões culturais têm que ser pensadas a partir dessa constatação. Os “integrados”, por sua vez, estariam errados por esquecerem que normalmente a cultura de massa é produzida por grupos de poder econômico com fins lucrativos, o que significa a tentativa de manutenção dos interesses desses grupos através dos próprios MDCM. Além disso, não é pelo fato de veicular produtos culturais que a cultura de massa deve ser considerada naturalmente boa, como querem os “integrados”.

Eco acredita que não se pode pensar a sociedade moderna sem os MDCM. Nesse sentido, sua preocupação é descobrir que tipo de ação cultural deve ser estimulado para que os MDCM realmente veiculem valores culturais. Nesse sentido, o papel dos intelectuais será fundamental, pois eles é que irão fiscalizar e exigir que isso aconteça.


Walter Benjamim

Outro autor também ligado à Escola de Frankfurt, mas com uma concepção diferente do papel da indústria cultural, é Walter Benjamin (1886-1940). Para ele, a revolução tecnológica do final do século XIX e início do século XX não acabou com a cultura erudita, como pensavam Adorno e Horkheimer, mas alterou o papel da arte e da cultura. Os MDCM e suas novas formas de produção cultural propiciaram mudanças na percepção e na assimilação do público consumidor, podendo, inclusive, gerar novas formas de mobilização e contestação por parte desse público.

Para Benjamin, a possibilidade de reprodução técnica das obras de arte retirou delas o seu caráter único e mágico (o que ele chama de sua “aura”). Em compensação, possibilitou que elas saíssem dos palácios e museus e fossem conhecidas por um número infinito de pessoas. Por exemplo, a reprodução fotográfica permitiu que qualquer pessoa pudesse ter em sua sala as clássicas Monalisa e Santa ceia, de Leonardo da Vinci; a reprodução fonográfica fez com que muito mais pessoas pudessem escutar (e quantas vezes quisessem) uma sinfonia de Mozart.

O impacto que a indústria cultural moderna pode provocar no público consumidor não seria, portanto, necessariamente negativo, podendo, ao contrário, contribuir para a emancipação desse público e para a melhoria da sociedade, uma vez que ampliaria o seu horizonte de conhecimento.

Essas são diferentes abordagens sobre a indústria cultural, expostas de maneira simplificada, poderão servir como elementos para uma melhor reflexão a respeito da  questão cultural no Brasil!


O mundo perfeito da Propaganda

Não se pode negar a importância da propaganda na indústria cultural e, evidentemente, na sociedade de consumo em que a sociedade atual se transformou.

Costuma-se dizer que, na televisão, a programação é ruim e os anúncios são bons. O que isso significaria? O mundo vendido pelos anúncios é um mundo de sonhos, sem conflitos, em que o melhor xampu ou desodorante abre as portas para o sucesso — sempre individual.

Se fizermos uma rápida análise do universo das propagandas, poderemos captar alguns elementos que sempre se repetem e acabam gerando a construção de uma série de modelos de comportamento social.

As margarinas e outros comestíveis vêm, de maneira geral, anunciados por famílias sorridentes, brancas, de classe média ou alta, reunidas numa mesa e servidas por uma mãe feliz e protetora. Produtos de limpeza. Sempre ou quase sempre anunciados por donas de casa preocupadas com a saúde da família, a limpeza da casa, e a beleza de suas próprias mãos. As empregadas são em geral negras e muitas vezes ignorantes porque, afinal, o melhor lugar para os negros em nossa sociedade (que não é racista!...) continua sendo a cozinha e as funções subalternas. As propagandas de bebida e cigarro sempre associam juventude, beleza, aventura e riqueza: apresentam uma imagem de vencedores, que se podem dar ao luxo dos prazeres. Investimentos financeiros e bancários são sempre protagonizados por homens: elegantes pais de família de classe média ou alta, expressando auto-confiança.

Temos, aqui, uma série de elementos interessantes. Os programas são ruins e os anúncios bons porque veiculam uma vida ideal — prazer, dinheiro, saúde, felicidade familiar — a um público que, em sua grande maioria, não pode conquistá-la. Por outro lado, as mensagens que estão contidas nesses anúncios também parecem ter o efeito de conformar a população a se satisfazer com imagens. Quem pode comprar e penetrar no mundo feliz do consumo é a classe média ou alta; então, o restante da população deve se contentar em ver e imaginar.

A situação se agrava quando o mundo ficcional dos programas e das propagandas se mistura. Ao anunciar determinados produtos, o galã da novela e a apresentadora do programa infantil associam o consumo do produto ao sucesso da personagem, à sua beleza, ao seu poder. Ficção e realidade se misturam na imaginação de seu público consumidor.

Existe uma forma “pessimista” de compreender o processo de recepção dessas informações por parte do público: a televisão, vendendo imagens, idéias, valores e produtos, na maioria inacessíveis, atuaria como um novo “ópio do povo”, isto é, como uma nova droga a aliená-lo da realidade, a conformá-lo a ser um consumidor passivo das verdades e mentiras (que ele já não sabe distinguir) recebidas através de um simples eletrodoméstico, um aparelho de TV.

Um exemplo dramático no sentido de reforçar o poder de alienação dos MDCM       foi a utilização do rádio por Adolf Hitler na ascensão do nazismo. Hitler, junto com seu ministro das Comunicações, Goebbels, percebeu o efeito emocional que os seus discursos causavam e, através deles, foi obtendo a aprovação da maioria da população alemã para suas idéias.

Há, porém, outra visão que aposta na capacidade crítica desse público. Ao ver a propaganda de um iogurte que não pode comprar, ao assistir a uma novela cujas situações sabe que jamais vivenciará, ao ouvir o discurso ufanista de um político, em contradição com a realidade de miséria do país, o público estaria próximo de questionar toda a ordem social que se constrói e se mantém sobre esse tipo de contradição. A televisão, nesse caso, em vez de alienar, contribuiria (mesmo que contra a própria vontade de seus controladores) para despertar e, no limite, para transformar a realidade. Por mais espantoso que seja, ainda encontramos na indústria cultural, em menor número, é óbvio, alguns programas  com essa capacidade. Na TV Cultura: Provocações, Observatório da Imprensa;  e para citar apenas mais um, no canal Sony temos Michael Moore apresentando The Awful Truth.

Essa ambigüidade que os MDCM podem gerar não desfaz, porém, uma questão fundamental que se refere à decisão sobre quem concebe, produz e veicula os produtos culturais a serem consumidos pela população.

No Brasil, vive-se uma situação de monopólio na área de comunicações, e os critérios costumeiramente adotados pelo governo na concessão de emissoras de televisão e rádio em geral não são técnicos, mas políticos.


 Assista a palestra Rock and Roll – A invenção da adolescência entre a indústria e a angústia cultural: Chuck Berry e Elvis Presley – Márcia Tiburi e Fernando Chuí no Link:

http://www.cpflcultura.com.br/2010/10/14/rock-and-roll-%E2%80%93-a-invencao-da-adolescencia-entre-a-industria-e-a-angustia-cultural-chuck-berry-e-elvis-presley-%E2%80%93-marcia-tiburi-e-fernando-chui-2/


 O Rock and Roll é uma criação histórico-social do século XX. Com suas raízes no blues elétrico, o rock não teria surgido fora da cultura da técnica e da Indústria Cultural. O rock nasce como música tecnológica, mas também como elogio da juventude do pós-guerra, como angústia de renovação, para logo se tornar uma crítica a qualquer forma de conservadorismo.

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